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quinta-feira, 12 de março de 2015

Acabemos com os escândalos.



Os jornais de hoje noticiavam, como se de um grande escândalo se tratasse, que António Costa trabalhou como consultor político para o Partido Socialista entre a sua saída do Governo e a sua tomada de posse como Presidente de Câmara.

Confesso que li e reli a notícia à procura de qual seria o escândalo mas não consegui perceber. António Costa não ocupava na altura nenhum cargo público, não recebeu dinheiro do Estado e de facto trabalhou para o Partido Socialista nessa altura.

Este escândalo veio na onda de outro escândalo que ontem chegou a todos os jornais: o presidente da Câmara de Lisboa viveu num apartamento na Avenida da Liberdade, no qual pagava uma renda, aparentemente dentro da média do mercado, mas que tinha sido construído contra o parecer do Núcleo Residente da Estrutura Consultiva do PDM – um serviço da Câmara de Lisboa – e com o parecer positivo do IGESPAR. Tudo isto enquanto ganhava mais de 7 mil euros como comentador da SIC.

Estas descobertas foram feitas através de um blog, que por sua vez as fez consultando a declaração de rendimentos de António Costa que, como dizem os jornais também em tom de escândalo, foi entregue com 46 dias de atraso.

Ora, estes dois escândalos seguiram-se aos escândalos dos processos tributários contra Passos Coelho por não ter pago o seu IRS a tempo. Claro que Passos Coelho pagou o que devia às Finanças, mas fê-lo com atraso.

Já este escândalo foi antecedido pelo escândalo de Passos Coelho não ter pago à Segurança Social os descontos devidos pelo seu trabalho independente entre 1999 e 2004. É verdade que tais descontos nem sempre foram obrigatórios, também é verdade que o Primeiro-Ministro nunca foi notificado pela Segurança Social para proceder aos pagamentos e também é verdade que ele acabou por pagar, mesmo quando a dívida já estava prescrita.

Se continuarmos a andar para trás descobriremos mais casos desse género. O meu preferido continua a ser o da Tecnoforma. Durante uma semana todos os jornais especularam sobre a exclusividade parlamentar de Passos Coelho, com base numa queixa anónimo à Procuradoria-Geral da República. Tudo isto quando a resposta era simples: o Primeiro-Ministro não recebeu dinheiro da Tecnoforma enquanto era deputado.

O que têm estes escândalos todos em comum? Antes de mais o facto de em nenhum deles os media se terem dado ao trabalho de fazer qualquer tipo de investigação. Em todos eles limitaram-se a reproduzir queixas, blogs ou fugas de informação.

Para além disso, em todos estes casos se verificou que não havia motivo nenhum para escândalo. Em nenhum foi cometido qualquer crime ou ilegalidade grave. Nem havia sequer a quebra de qualquer código de ética. Quanto muito os protagonistas tiveram falta de prudência ou alguma negligência. Mas não houve utilização de dinheiros públicos, ou favorecimento do Estado ou sequer abuso de influência.

Então por que razão foram notícia? Porque vende. E a comunicação social vive mais preocupada em vender do que em noticiar. Prefere estes escândalos a ter que fazer notícias sobre política, ou sobre os grandes acontecimentos do país ou do resto do mundo.

A juntar a este problema temos ainda as redes sociais. A internet permite acesso instantâneo a todo o tipo de informação, sem qualquer meio de garantir a sua veracidade. O facto de que, para se ser especialista em qualquer assunto, bastar o Google, faz com que ninguém perca tempo a estudar o que quer que seja. 

E assim se reduz o debate público e político a um conjunto de fait divers. Já não interessam ideias ou projectos, apenas slogans que possam ser instantaneamente comunicados e que entusiasmem ou indignem as massas.

A consequência é que a razão foi totalmente afastada da política. Só interessa a emoção. Por isso qualquer projecto político ou obedece a ditadura do chavão, ou está condenado à partida. O mais fácil é mesmo dizer o mínimo de palavras possíveis e as mais neutras possíveis.

Assim se explica que a política portuguesa seja dominada por pessoas medíocres, sem qualquer ideia ou ideal. De facto não precisam de nenhum dos dois para terem sucesso. Só precisam de ser capazes de lidar bem com a comunicação social e de se lembrarem das frases certas: austeridade, crise, direitos essenciais, consciência social, solidariedade europeia…

É preciso romper esta ditadura do politicamente correcto. Mas para isso não basta políticos capazes de liderar, de pensar, de arriscar. É preciso também que nós os apoiemos. Construir a polis não é apenas responsabilidade dos políticos, mas de todos os que nela vivem. Por isso temos também nós a responsabilidade de não nos deixarmos enredar nesta cultura do escândalo, das causas massificadas e termos um juízo claro sobre a realidade que nos rodeia. 

A ausência de debate público combate-se construído esse debate. Se cada um de nós, em vez de embarcar em discussões estéreis sobre a Segurança Social de Passos Coelho ou a casa de António Costa, arriscar num juízo claro, numa proposta clara, sobre a vida é possível melhorar o nível do debate público.

Comecemos então nós a fazer este trabalho. Em nossa casa, no nosso trabalho, com os nossos amigos, nas nossas comunidades. Procuremos não o confronto, mas sim o debate que nos permite discernir qual o melhor caminho a seguir. E assim é possível construir algo novo.

(Por motivos vários não me foi possível publicar na semana passada. Tentarei continuar a manter a peridiocidade semanal do blog)

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