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quarta-feira, 19 de julho de 2017

A história de duas cidades - Público, 19/07/17



Lisboa é hoje uma cidade na moda. O número de turistas parece não parar de aumentar. Os restaurantes, bares, assim como toda uma panóplia de pequeno comércio trendy florescem. O fim da crise, os Visto Gold e a nova lei das rendas reanimaram o mercado imobiliário. O maciço programa de obras da Câmara Municipal construiu a ideia de uma cidade mais amiga do ambiente e mais moderna.

E estes factos são bons. Evidentemente que todos trazem os seus inconvenientes. É verdade que o programa de obras públicas é muitíssimo questionável. Mas não se pode deixar de reconhecer que Lisboa está hoje mais bonita e mais cosmopolita.

Contudo existe uma outra Lisboa. Uma cidade que não aparece nas revistas de viagens nem nos sites de cultura e lazer. Uma cidade que não sabe o que seja um sunset, uma cerveja artesanal ou um hambúrguer gourmet. Uma cidade para quem as ciclovias são apenas um estorvo para apanhar o autocarro e para quem as latas de conserva não são um objecto vintage mas uma fonte de alimentação.

Existe uma Lisboa onde centenas de idosos vivem sozinhos, em casas decrépitas. Muitos já não são capazes de sair à rua e vivem da caridade de vizinhos, das ajudas da Santa Casa ou de uma instituição de solidariedade social.

Uma Lisboa com bairros pobres (daqueles que não tem a sorte de ser históricos, e por isso ainda não foram invadidos por jovens hipsters), com escolas degradadas, onde a maioria dos moradores trabalha muito e ganha pouco. Bairros com ruas dominadas por pequenos criminosos, onde é difícil romper o círculo da pobreza.

Uma Lisboa com homens e mulheres que vivem na rua. Pessoas com um enormíssimo conjunto de problemas e que sobrevivem graças aos voluntários que todas as noites saiem por essa Lisboa a distribuir refeições e apoio a quem não tem tecto.

E sobretudo uma Lisboa, que é a cidade da maioria dos lisboetas, de pessoas de classe média/média-baixa, cujo os ordenados mal pagam uma renda. Pessoas que perdem horas e horas em transportes públicos lotados. Lisboetas que não arriscam ter filhos na sua cidade, porque escasseiam as creches, porque é impossível ter carro, porque que é muito complicado enfiar duas ou (imagine-se a loucura) três crianças pequenas num autocarro a abarrotar (e ainda menos numa bicicleta).

Existe uma Lisboa real para além da Lisboa das revistas e das reportagens televisivas.  Uma cidade que vive para além da imagem trendy, eco-friendly e cosmopolita. Uma Lisboa de idosos, de famílias, de jovens casais, de adolescentes e crianças que vivem numa cidade com rendas cada vez mais altas, com transportes públicos cada vez mais degradados. Uma cidade onde os apoios sociais dependem de instituições privadas. Uma cidade abandonado pela autarquia.

O trabalho de transformar Lisboa numa cidade que recebe bem quem vem de fora foi feito e bem feito, tendo tornado a capital num ponto de atracção para turistas e investidores estrangeiros. Falta agora transformar Lisboa numa cidade atractiva para os lisboetas.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O Professor Gentil Martins e a pequena Comissária Política






Elogiar o Professor Gentil Martins é uma tarefa fácil. A sua vida é tão preenchida, tão extraordinária, que qualquer pequena pesquisa no Google nos permite coleccionar factos suficientes para exemplificar a sua excepcionalidade.

Cirugião pediátrico de excelência, participou em mais de 12 mil intervenções cirúgicas. Foi director de serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital da Estefânia durante 34 anos. Fez 7 operações para separar gémeos siameses. Escreveu artigos científicos e proferiu conferências um pouco por todo o mundo. Foi bastonário da Ordem dos Médicos e presidente da Associação Médica Mundial. Criou a primeira Unidade Multidisciplinar de Oncologia Pediátrica a nível mundial no IPO de Lisboa.

Como se a sua carreira médica não fosse suficiente ajudou a fundar ou apoiou várias organizações de apoio social como a ACREDITAR ou a CAVITOP. Foi atleta de várias modalidades,  chegado a representar Portugal nos Jogos Olímpicos.

Teve e tem uma forte intervenção cívica. Foi uma das vozes mais sonantes contra o aborto, manifestou-se sempre contras as barrigas de aluguer e ainda este ano foi o promotor da carta que os cinco antigos bastonários da Ordem dos Médicos escreveram contra a eutanásia.

Aos 86 anos continua a trabalhar sempre disposto a servir o bem comum. E com toda a humildade. Vale a pena contar uma pequena história: no primeiro Prós e Contras sobre o aborto foram mobilizados apoiantes dos dois lados para ir assistir ao programa. O Professor Gentil Martins foi um dos que foi, tendo-se sentado no meio do público. Só após grande insistência da Fátima Campos Ferreira é que aceitou ir para a primeira fila e falar.

Esta fim-de-semana o Professor Gentil Martins foi entrevistado para o Expresso. No seu registo habitual, de homem habituado a dizer o que pensa sem se preocupar com politiquices, deu a sua opinião sobre a homossexualidade.

Como já é habitual logo se criou um escândalo, com a inevitável Isabel Moreira a clamar pela intervenção da Ordem dos Médicos por o Senhor Professor ter proferido palavras contra a ortodoxia contemporânea. Clamor no qual foi acompanhada pelos seus antigos companheiros de blog (cujo o nome dispenso de publicitar) Miguel Vale de Almeida (o ex-deputado que só o foi até ser aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tendo logo de seguida resignado ao mandato) e Ana Matos Pires (uma das já famosas “duas médicas” que vão apresentar queixa à Ordem). Só faltou de facto a Fernando Câncio, para o ramalhete ficar completo.

A nova Comissária Política das causas fracturantes lida com as divergências ao bom velho estalinista: qualquer desvio da ortodoxia (ditada por ela) é um erro que deve ser eliminado. Isabel Moreira não discute opiniões ou ideias. Ela é a detentora da verdade e quem dela discorda deve ser perseguido. E, infelizmente, existem sempre alguns seres, daqueles cuja a vida se resume ás campanhas virtuais e cujo o sonho é viver no eixo Chiado – Príncipe Real – Campo de Ourique, dispostos a seguir fielmente a querida líder.

E chegado aqui não posso deixar de perguntar: quem é Isabel Moreira e porque razão lhe dão os media tanta tempo de antena? Que obra ou feito tem a senhora deputada no seu currículo para ser a guardiã da ortodoxia?

A última vez que eu reparei Isabel Moreira devia toda a sua carreira a três factos: o nome, o apoio do lobby fracturante e a sua enorme falta de educação. Não fora ser a filha rebelde de Adriano Moreira, defensora ardente de qualquer causa fracturante, capaz de insultar e  ameaçar todo os que discordam de si, quem é que ligaria à senhora? A diferença entre Isabel Moreira e os trolls do facebook, é que a ela o Partido Socialista decidiu dar palco.

E vivemos num tempo tão estúpido, tão dominado pelos pequenos escândalos da redes sociais empolados pelos jornalistas, que um homem que serviu o país toda a sua vida sem nunca ocupar qualquer cargo político pode ser perseguido por uma mulher que só ocupou cargos políticos sempre ao serviço dos lobbies seus amigos. E há quem a aplauda e lhe aprecie a “coragem” (de perseguir um senhor velhinho através dos seus “seguidores”…).

Evidentemente o Professor Gentil Martins não precisa da minha defesa. Sobretudo contra pequenos Comissários Políticos que claramente nasceram demasiado tarde para cumprir a sua verdadeira vocação como bufos da PIDE ou informadores do NKVD. 

Contudo há nesta polémica um facto que é importante sublinhar. É que existe em Portugal uma deputada, apoiada pela direcção de um grande partido e apaparicada pelos meios de comunicação social, que emite uma fatwa contra um dos maiores médicos portugueses vivos porque discorda das suas afirmações. Não discute, não debate, limita-se a proclamar que é dever dos médicos fazer queixa de um colega porque este se atreveu a publicamente afirmar aquilo em que acredita.

Para mim a grande questão é: o Partido Socialista adere à perseguição ideológica da sua deputada? Os restantes partidos políticos ficam em silêncio perante a tentativa de censura por parte de uma deputada? A comunicação social vai continuar a fingir que é normal uma politica incitar à perseguição por parte dos seus seguidores de quem não pensa como ela? Chegámos a um tempo onde ninguém ousa publicamente contrariar o lobby representado pela Isabel Moreira?

Mal estamos quando aquilo que alguém pensa é mais escandaloso do que a tentativa de instaurar uma ditadura de pensamento único.